
A sessão de fotos a seguir foi registrada na Ilha de Vitória, Espírito Santo mais precisamente na Curva da Jurema, Praia do Canto, Ilha do Frade e Praia de Camburi. O fotógrafo Bernardo Martins Xavier capturou o surfista João Parmagnani deslizando em seu longboard 9’4” Diamond, da Maze Surf Crafts.

Conhecida por suas atividades de natação, canoagem e pesca, a baía de Vitória sempre pareceu um lugar improvável para o surf. Por ser uma enseada fechada e ampliada por aterros, as ondas raramente ganham força suficiente para serem surfadas. Ainda assim, em dias raros, quando as micro-ondas e as refrações se alinham de forma quase mágica, a baía revela seus segredos, você sabe, fluxos de água que dançam com o improvável.
E sim, a ilha guarda alguns slabs secretos. Poucos e discretos, como o lendário “2012” , uma clássica direita de placa azul que quebra no outside, quase em mar aberto, na linha da Praia de Camburi, entre Vitória e Vila Velha (ES). Há também pequenas bancadas próximas a ilhas costeiras, tubos efêmeros e ondas de refração que se espalham pelos canais da cidade como o “Hawaizinho” e o pico do Canal frente à Jesus de Nazaré. Mas o que aconteceu nesta sessão foi algo diferente, quase místico.

O swell vinha de E Leste 90º-95º e vento NE Nordeste, grande e consistente na boia oceânica, impulsionado por um vento maral forte do quadrante norte. Essa energia atravessava o canal de Camburi com intensidade incomum, invadindo a baía em plena lua cheia e maré -0.2. A combinação improvável fez João ligar para Bernardo:
“Bro, vamo checar isso agora.”
Era o tipo de condição que, no Espírito Santo, normalmente só funciona em Regência e mesmo assim, raramente. Mas, naquele dia, algo especial aconteceu.
A clássica direita do Iate Clube até parecia promissora, mas a bancada estava rasa demais. Com uma quilha 10.5” emprestada da surfista Evelin Neves, João sabia que qualquer erro poderia resultar em uma trinca.

Quando chegaram à Ponte da Ilha do Frade, o cenário mudou completamente. Do outro lado, o mar se comportava de um jeito diferente ondas trianguladas, pequenas praias se formando e a água correndo em direções inesperadas. Era algo novo, quase surreal.

Ali, triângulos de espuma começavam a se formar de maneira diferente, revelando pequenas praias temporárias criadas pela variação extrema da maré. As ondas que vinham do Iate Clube atravessavam sob a ponte e refratavam na Pedra das Andorinhas, retornando suavemente para dentro da Curva da Jurema. O resultado era uma esquerda longa e improvável, que deslizava junto às pedras antes de se abrir sobre uma bancada rasa.
“Eu nunca tinha visto essa onda quebrar, muito menos imaginava que fosse surfável”, conta João.
“Surfar ali, em plena Ilha de Vitória, no triângulo da Primeirinha… foi engraçado e ao mesmo tempo mágico.”

A chave para que o swell se transforme em onda está justamente no tipo e na profundidade do fundo são esses fatores que moldam onde as ondas vão se formar e definem suas características. Aquelas ondas se multiplicavam e se reinventavam a cada série reflexos de outras, vindas de muito longe, dissolvendo-se entre os canais e barcos da Jurema. Até desaparecerem novamente no mar, talvez para renascer em algum outro canto do mundo, diante de outro surfista curioso o bastante para tentar.

O surf na baía de Vitória é um acontecimento raro, quase experimental… mas quando acontece, transforma o cotidiano da cidade em poesia e movimento. Um instante efêmero em que a natureza, o olhar e o tempo se alinham para criar algo que ultrapassa o surf e toca o simbólico: o encontro entre refração e conexão.
A ilha não criaria uma “sombra de onda” perfeitamente nítida, com a água completamente calma.
Quando as ondas atingem a ilha, elas sofrem difração, parte de sua energia contorna o obstáculo e se propaga lateralmente para a área abrigada. Esse fenômeno natural oferece uma proteção parcial contra as ondas geradas por tempestades e deve ser levado em conta por engenheiros na construção de quebra-mares e estruturas costeiras.
(Com base no livro Waves and Beaches: The Powerful Dynamics of Sea and Coast)

Como explica Fredric Raichlen, autor de “Waves”:
“Os quebra-mares reduzem a altura das ondas na costa de duas maneiras.
Primeiro, apenas uma fração da energia das ondas que vêm do mar é transmitida através da abertura.
Segundo, essa energia transmitida se espalha lateralmente na parte protegida do quebra-mar devido à difração.”
Uma onda é, basicamente, a transmissão de energia através de um meio. A difração acontece quando as ondas contornam obstáculos, como um recife ou um ponto de costa, e mudam de direção e intensidade. Para quem surfa, isso significa que até swell que parecem irretocáveis podem se espalhar e formar ondas únicas em lugares escondidos ou pouco explorados.
É assim que surfistas encontram aquelas ondas raras, perfeitas, longe do line-up principal, a energia da onda chega ali, mas a água quase não se move, só a forma e o pico mudam de lugar.

Explorar novas condições é um exercício de leitura e confiança. Cada detalhe, direção do vento, pressão atmosférica, maré e fundo influencia diretamente no resultado. Testar equipamentos em cenários atípicos exige atenção e sintonia entre atleta e prancha. Mas o surf também é feito de conexões humanas: antigos parceiros da ARDRP reunidos novamente, compartilhando conhecimento, observação e o prazer da descoberta. Essa união entre técnica, experimentação e amizade é o que mantém viva a essência do surf ou busca constante por novas possibilidades, mesmo onde o mar parece improvável.
Agradecimento especial ao Bernardinho, por transformar esse momento em algo ainda mais real através da arte da fotografia, com sua clássica Sony Alpha.


